sexta-feira, 30 de março de 2012

Madrugada

A Manhã roubou o véu da Noite.
Queria tomar banho de lua.
Manhã penumbrada,
tornou a ser Madrugada.
O galo pôs-se a cantar,
estranhando o acontecido.
"Eita, Manhã desajeitada!"
Gritou o Sol, com cara de entardecido.
Entristecido.
Volta, Manhã, não seja mal-agradecida!
Enegrecida!
Ensolarada tu fica mais bonita!

quinta-feira, 29 de março de 2012

Indigestão

Comi o Pão que a Poesia transubstanciou.
Fiquei com a barriga cheia de versos.
Desde então,
há uma constante movimentação
de poetas peristálticos.
Borboletas esvoaçantes,
roçando suas asas
nas paredes internas.
Obrando.
Estrofando.
Poemando.
Azia prazerosa de um sistema ativo.
Digestivo.
Criativo.
Inventivo.
Produtivo.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Impossível

Só posso ir
até onde me é possível.
O que passa disso,
não me atrevo a passar.
Nem mesmo sei usar
ferro de passar!
Pra mim, isso ainda
é impossível.
Deus sabe passar,
pois aprendeu com Nossa Senhora.
Pra Ele, o impossível
não passa de duas letras
além daquilo que posso.
E de letras,
Ele entende muito bem,
mesmo escrevendo torto,
e passando pano velho.

terça-feira, 27 de março de 2012

Passaverso

Minhas crias cresceram e bateram asas.
Foram-se do ninho.
Sina de passarinho.
Passaverso.
Foram em revoada.
Versoada.
Um caiu no chão,
não respeitou o tempo da maturação.
Faltaram-lhe as asas.
Estavam pouco desenvolvidas e...
Caiu no chão!
Coisas da vida!
Os outros saíram batendo versos por aí.
Foram-se pela Vida,
movidos pela Vida,
gerando Vida.
Passavida.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Aniversário

Hoje é dia vinte e seis,
do mês três.
Faria vinte e três,
se seguisse a ordem inversa dos fatos.
Mas faço trinta e dois,
seguindo a sucessão dos atos.
Ando pra frente,
como o tempo.
Trinta e poucos passos,
dados sobre solo firme e cadafalsos.
Cada piso falso,
riso falso.
Sobressaltos!
O Pardal deu-me um par de asas.
Agora posso voar,
para longe do asfalto.
Solo firme,
só no galho do cajueiro.
Lá no Alto!
Balança,
mas não cai.
E para ao Céu chegar,
basta-me um salto!

domingo, 25 de março de 2012

Semente

Caí no chão e não morri.
Não dei frutos.
Nem flori.
Imatura insistência de não morrer.
Desobediência de criança,
apegando-se à vida que se perde,
aos poucos.
O Pai perdoa.
E onde está a Planta,
também está a Semente.
Servindo.
A Planta diz, com voz de trovão:
"Chegou a hora da glorificação!"
Apesar da angustia,
a Semente, elevada, cai no chão.
E morre.
Sina de Semente,
de ser gente.
Frutificação!

sexta-feira, 23 de março de 2012

Seu Chico

* Em homenagem ao mestre Chico Anysio.

E os querubins desmancham-se em risadas:
"Ai, para com isso, Seu Chico!"
Risadinhas doces,
com cheiro de criança em parque de diversão.
Asas esverdeadas,
de tanto rolarem pela grama.
Picadeiro montado no campo
que há por sobre as nuvens.
Palhaço sem nariz,
mas com mil e uma faces.
E em cada face um palhaço.
Cheio de Graça,
e agora mais do que nunca!
"Triunfante público!"
- Grita a Voz de Trovão,
anunciando a chegada do humorista.
Foi-se o homem,
pra Anysiar o Céu.

Infanticídio

Cometi um infanticídio
quando matei a minha infância.
Cresci,
achando que ser grande me bastava.
Crescido.
Acrescido de experiências
e de desexperiências.
Me arrependi,
quando as portas se fecharam.
Após quatro dias,
fui ao sepulcro e removi a pedra.
"Vem pra fora, criança!"
Gritei, com confiança.
Ela saiu,
com a boca cheia de algodão doce
e de esperança.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Transcendência

As borboletas me transcendem.
Abrem as portas do Céu com o bater de suas asas.
Quando dou por mim, estou em casa.
Divina Casa!
Retiro a nuvem do rosto e desanuvio os pensamentos.
Sublimes momentos!
Igual quando as pedras põem-se a falar,
na hora que me atrevo a calar.
E quando a rã põe-se a escrever,
quando não quero me atrever.
Atrevidas escritas de palavras transcendentes,
quando as borboletas batem as suas asas.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Conversão

A menina pensava que não gostava de Poesia.
Até conhecer uma.
Apaixonou-se.
O que antes era histeria,
tornou-se melodia.
Nos ouvidos,
na língua
e no coração.
Rendeu-se a dança dos Versos,
e reverteu-se.
Transfigurou-se.
Converteu-se.
Mostrou-se.

terça-feira, 20 de março de 2012

Ardor

Espremi a laranja com a força da minha mão.
Chorou de dor,
a alaranjada.
Pobre coitada!
E a lágrima rolou,
sem dizer nada.
Até encontrar o canto de unha,
dizendo: "Cheguei a casa!"
Chorei de ardor,
pedindo desculpas a esbagaçada.
Calvário de indicador.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Transbordamento

O copo nunca ficou totalmente seco.
E há muito não ficava totalmente cheio.
Encheu.
Transbordou,
despejando Graças para todos os lados,
saciando a sede dos que ali estavam.
Bebendo,
servindo.
E até dos que não estavam.
Esperando,
dormindo.
Copo colorido,
cheinho de pessoas coloridas,
pintadas com as cores da Renovação.
Explosão de um Carisma que nasceu pra explodir.
Nas Artes,
nos corações.
Seres coloridos respirando,
louvando,
se alegrando,
explodindo,
transbordando.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Meia-titela

Deu-me na titela a ideia de ser poeta.
Bem no lado esquerdo,
onde vivem as borboletas e os rouxinóis.
Poeta de meia-titela!
Veio a lança, após a hora nona,
e transpassou-a.
Derramou-se um rio de Poesia.
Pela brecha aberta, voaram as borboletas,
cantaram os rouxinóis,
nasceram os girassóis.
Apareceu o joão-de-barro,
com a boca de terra,
e construiu o seu palácio.
Plácido.
Dum cuspe só!
Haja água a escorrer.
E não há tigela que retenha,
nem represa que convenha.
Só o mar de outra titela,
onde irá desembocar.
E um dia novamente irá jorrar,
quando a lança aparecer
e a meia-titela rachar.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Noite poética

A Noite aquietou-se em pensamentos.
Tomou uma das penas do pavão,
molhou a ponta na levada barrenta
e pôs-se a escrever poesia,
nas costas nuas do outro dia.
Quando deu por fim,
o Sol já ardia,
nas costas queimadas do novo dia.
O Pardal, do alto da sua morada,
leu os versos noturnos da Noite,
de forma bem cantada.
O Sol se riu
dos versinhos faceiros da Enluarada.

terça-feira, 13 de março de 2012

Café

O cheiro do café me leva ao Céu.
Cheiro que nasce na cozinha,
e logo preenche a casa todinha!
A tapioca chega se arrepia,
pois sabe que vai ter companhia!
É a presença do amado!
Incenso perfumado.
Xicarado.
Em pano velho coado,
pra dar mais sabor.
Igual panela velha.
Beleza do velho gerando o novo.
Cheiro novo.
Gosto novo.
E tem Fé no próprio nome.
Deve ser por isso que é tão bom!
Esquenta,
revigora,
reanima.
Ah, Senhor, eu creio, mas aumentai o meu café!

segunda-feira, 12 de março de 2012

Bemtevinês

Aprendi bemtevinês com os bem-te-vis do meu quintal.
Em menos de um mês, estava fluente.
Fluindo!
E os pássaros se rindo com as piadas que eu contava.
E alegravam-se com as músicas que eu cantava.
Piava.
O Pardal, ao me ver piar, dizia: "Bem-te-viu, bem-te-vê!"
Dizia em bemtevinês, pra que eu pudesse entender.
Agora vou aprender o pardalês.
Talvez demore mais de um mês.
Língua complicada, essa de vocês!
Sem consoantes e sem vogais,
somente com seus piais!
Beijaflorês fica pra depois.
Há necessidade de se fazer muito bico.
E bico em excesso, por ora, basta-me no francês.

domingo, 11 de março de 2012

Chicote

Trancei um chicote de cordas com os punhos da rede.
Acorda!
Gritei, num ímpeto de cólera.
Meu cem por cento humano falando mais alto,
espalhando moedas pelo chão.
Resposta ao clamor do meu cem por cento divino,
escondido pelo peso dos desejos.
Peso que me impedia de decolar.
Zelo que me consome.
E foi boi pra todo lugar.
Ovelhas pra ali e pra acolá.
A Pomba pôs-se a voar.
Velhas vestes rasgadas a chicotadas,
exibindo o Templo que estava às escuras.
Chicotadas às claras!
Destruí vós este chicote,
e em três dias será reconstruído,
quando a Pomba do Céu voltar!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Chuva no Mar

E de repente, o Céu despencou no Mar.
Deram-se os braços e começaram a dançar.
Foi água pra todo lugar.
Vi muito anjo mergulhando.
Muito peixe a voar.
Querubim sunga trajando.
Ariacó pôs-se a levitar.
E eu na praia só olhando,
até os braços descruzar.
Corri desfazendo-me em chuva,
nadando nas águas do Céu,
voando nas nuvens do Mar.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulher

Procurei na gaveta um poema sobre o Dia da Mulher,
uma homenagem qualquer.
Mas não existe homenagem qualquer,
nem poema qualquer,
nem dia qualquer.
Principalmente quando se trata de Mulher!
E qualquer tentativa de escrever qualquer homenagem para o Dia da Mulher,
não será uma tentativa qualquer.
O "qualquer" tá na cabeça do homem.
Pronome indefinido que foi queimado em meio a sutiãs,
junto com outras amarras!
Mulher é substantivo,
e muito bem definido!
Feminino.
Um dia, me atreverei a escrever algo para o Dia da Mulher.
Quem sabe num "Oito de Março" qualquer,
ou em qualquer outro dia qualquer?
Qualquer que tenha sido a costela arrancada,
na força bruta ou de forma amena,
já valeu muito a pena!

quarta-feira, 7 de março de 2012

Dez para o meio-dia

O relógio para.
São dez para o meio-dia.
A fome eterniza-se
nas barrigas da agonia.
A criança chora,
a mãe pede alforria.
O tempo não passa,
não chega o meio-dia.
A fome devora.
Peristáltica melodia!
A mãe procura em vão
o pai de sua cria.
O menino não resiste,
são dez para o meio-dia.
A mãe derrama lágrimas
sobre o manto que encardia.
Deus chora no céu
as dores que o homem cria.
O Pão que Ele repartiu
não chega a quem deveria.
E no seu divino relógio,
são dez para o meio-dia.

terça-feira, 6 de março de 2012

Recruta

Ora se não é o Arcanjo Miguel!
O que veio fazer por aqui, anjo fiel?
Perdeu a condução que conduz as almas para o céu?
Ou veio recrutar recrutas para o vosso plantel?

Por que está me olhando assim, ser alado?
Acaso veio ser o meu advogado?
Ou serei eu um dos recrutas recrutados?

Seja o que for, anjo amado,
não me deixe por tanto tempo assim, angustiado,
e me diga, por que está me olhando assim, com tanto agrado?

segunda-feira, 5 de março de 2012

Avoador

Quando era menino, sonhava em avoar.
Um dia, o Pardal levou-me para o Alto do cajueiro,
colocou duas folhas nas minhas costas e disse:
"Bate as folhas e avoa, menino!"
Avoei, espalhando cheiro de caju pelo mundo.
Nunca mais quis pousar.
Bicho simples é Pardal!
Menino também!
E eu pensava que homem não sabia avoar.
Sabe mesmo não.
Homem não tem pena.
Menino tem pena e folha.
E oiça pra escutar o Pardal.
Menino é pequeno na terra dos Homens,
mas é grande no Reino dos Pardais.

domingo, 4 de março de 2012

Transfiguração

Subi no alto da montanha e transfigurei-me.
A calça jeans resplandeceu de alumiação!
Tendas, pra quê?
Tendo eu o Céu totalmente nublado,
com possibilidade de pancadas de Graça?!
Veio então a Nuvem e cobriu a minha vida e a terra inteira.
E disse: "Eis aí a minha cria, em quem pus toda a minha Poesia!"
Prostraram-se o que comigo estavam.
Também a tristeza e a desilusão.
Ouçam-me, amedrontados!
A Nuvem está com a razão!
Voz da Verdade em meio ao trovão.
Ah, Santo Monte da transfiguração!
Subamos o monte, aos montes!

sexta-feira, 2 de março de 2012

Prisão

Libertou-se a Poesia
das cadeias do meu coração,
quando o pão da Eucaristia
transubstanciou-se naquela prisão.

Correu, livre e desimpedida,
pelas veias até minhas mãos,
e escorreu, linda e faceira,
através da ponta do carvão.

Repousou na primeira folha
que viu em sua direção.
Criou asas e foi embora,
para longe do meu coração.

Foi habitar outras cadeias,
aguardar uma nova Redenção
que só vem com a Eucaristia,
com o louvor e com a oração.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Casamento

Casei-me num belo dia
com a Dama Poesia,
prometendo, na tristeza e na alegria,
ser dela eterna companhia.

Comigo não dormia,
pois ao céu sempre subia.
Mas em sonhos me conduzia
às suas altas moradias.

Sempre que do céu descia,
minha boca emudecia,
e minha mão então escrevia
o que a fala não conseguia.

Para o céu então subia
quando no meu ouvido dizia
Palavras que eu não ouvia
e que a terra desconhecia.

E vai chegar o lindo dia
que farei do céu minha moradia,
pra viver, com Alegria,
minhas núpcias com a Poesia.