segunda-feira, 30 de abril de 2012

Banguela

A estrela,
de tão cadente,
caiu.
Caíram também os seus dentes.
E sorriu.
Ficou banguela,
a branquela.
Nunca mais dor de dente sentiu.
Esqueceu-se das querelas.
Aprendeu a ver o lado bom
que há em todas as coisas.
Em todas as bocas,
com dentes
e sem dentes.
Até as com semidentes.
Semibocas.
Hoje vive feliz,
lá pras bandas da Lua,
comendo farinha seca,
usando dentadura.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Velho

Conheci um Homem muito velho,
com um pouco mais
de cinco anos de idade.
Era do tempo que as notas musicais
não tinham nomes,
e só eram vistas com o ouvido.
Do tempo que os olhos serviam
pra tocar as coisas.
E foi assim que me tocou,
com os olhos,
enquanto desescrevia a areia,
com a ponta dos dedos.
Falava em linguagem de versos
e ensinou-me o alfabeto
das invencionices.
Quando dei por mim,
estava falando com voz de lápis,
ouvindo com folha de papel
e tocando as coisas
com a ponta da vista.
Aprendi com o Velhote,
que anda engatinhando por aí,
imitando gia
e escrevendo Poesia.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Exagero

Reza curou olho
de menino
que sofria de exagero.
Via grande
e muito em tudo.
Dia desses,
tava levando carreira
de saraça.
Mãe rezou
pra São Francisco,
que tinha olho pequeno
e morreu cego,
sentindo o Cristo
na ponta da venta
e das mãos.
Reza curta,
sem exageros,
pra não incomodar
muito o Santo.
Menino sarou.
Vive hoje
brincando
com formiga
e conversando
com passarinho.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Barra de Vento

Ontem ouvi uma barra de Vento.
Trouxe notícias do mar,
falando em rugido de ondas.
Converseiro de madugada.
Lembrei-me dos tempos de menino,
quando recebia cartas do mar
na boca da noite,
trazidas pelas barras de Vento.
Infância perdida
dentro de uma casa,
que se perdeu no luar.
Nunca mais vi a casa.
Até ontem,
quando a barra de Vento
sacudiu minhas memórias,
trazendo cartas do mar.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Latim

Sou a quarta pessoa da Trindade,
quando faço o Sinal da Cruz
e beijo a ponta de um dos dedos.
Aprendi com minha mãe,
que sempre repete o gesto
ao passar em frente a uma Igreja.
Costume antigo,
do tempo que se ia
pra Missa pra rezar o terço.
E o Padre lá no altar:
"Qui vivis et regnas in secula seculorum. Amen."
De costas para o povo,
que respondia: "Amém!"
Interrompendo o terço.
Hoje, inverteram-se as posições.
As pessoas vão a Missa
pra ficar de costas para o Padre,
olhando pra rua,
falando em latim.
Terço?
O que é isso?
Ainda bem que
amém continua sendo amém
em todo canto,
como Jesus!
E assim seja,
pelos séculos dos séculos.
Amém!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Carão

A Mãe remendou
o dedo do menino,
que saiu por aí
e tropicou numa
pedra de mentira.
Passou água,
derramou Graça
e soprou o ferido.
Inteirou com
um beijo na testa,
fazendo sinal da cruz.
Sarou.
Menino alegrou-se!
Passou o medo
do carão do Pai.
Menino besta!
Carão é uma cara
bem grande.
A do Pai é pequena,
serena,
amena.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Reunião indígena

Da tribo Bem-te-vi,
veio um que tudo vê.
Da tribo Sabiá,
veio um que tudo sabe.
Da tribo Beija-flor,
veio um que tudo beija.
Da tribo Pardal,
veio um que tudo...
É...
Caro Cacique Pardal,
por gentileza,
qual a sua especialidade?
- Perguntei,
em assovios.
"Piar a Boa Nova!"
- Respondeu,
dando piadas.
Avoei na resposta,
sem entender nada.
Avoaram-se todos,
dando risadas.

Visitas

A Tristeza bateu
à minha porta:
"Cheguei, e trouxe novidade!"
Fiz-me de mudo
e escondi-me lá na horta.
A Felicidade,
atendendo a visita,
disse com autoridade:
"Vai-te! Chegaste cedo e já vai tarde!"
Foi-se a Tristeza,
e não deixou saudade.

Ri ao pé da mesa,
almoçando com o Presente,
que chegou hoje,
de madrugada.
Ah, e como seria bom
se o Passado estivesse por aqui!
Foi embora ontem,
quando me pus a dormir.
E amanhã teremos nova visita,
o Futuro está por vir.
Sem medo,
abrirei a porta,
com os lábios a sorrir!

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Linhas tortas

Quisera eu escrever
um texto sem eu.
Mas quando dei por mim,
eu já aparecia três vezes.
Só vi quando olhei pra trás,
enfadado de ver o branco
da folha na minha frente.
Continuei escrevendo.
E por mais clara que fosse a estrada,
no escuro eu estava.
Sozinho!
Acendeu a Graça na cabeça
e o "J" risquei.
Seguiram-se
"e",
"s",
"u"
e, pra inteirar,
risquei outro "s".
Alumiou-se a folha branca
e tudo virou dia
com o nome "Jesus".
Já não estava mais só.
E também não estava mais no começo.
Estava além,
acompanhado,
olhando pras linhas tortas
que eu não havia escrito,
percebendo que o lápis
estava na mão do Cristo.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Garça

Hoje vi Jesus numa garça,
no caminho da minha ocupação,
por entre o cinza das paredes.
Garça desocupada,
ocupando-se de se alimentar.
Ocupei a minha vista
entre ela e um semáforo.
Pôs-se a voar,
mudando o sinal de cor.
Nem lembro
qual abriu primeiro.
Cheguei à ocupação
e ocupei-me,
retirando espinhos,
o dia inteiro,
esquecendo-me da garça.
Ocupei-me em perguntar a Deus:
Pra quê tirar espinhos?
Ocupou-se em responder:
“Basta-te a minha Garça.”

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Capitão

Certa vez,
no tempo de menino,
eu provei Jesus
no capitão que
a minha mãe fez,
de arroz com feijão.
Capitão perfumado,
abençoado com sabonete
de mão de mãe.
Daqueles baratinhos,
cheirosos.
Foi a primeira vez
que comunguei.
Desde então,
Jesus pra mim tem
gosto e cheiro de
sabonete de mãe,
refogado de arroz
e feijão com
pimenta de cheiro.
Jesus simples,
caseiro,
refogado com alho,
cebola,
alfazema
e Amor.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Nasceu um pé de
Maria Imaculada
no meu quintal.
Brotou no solo infértil
onde nem mato brotava.
Brotei de Alegria!
E era cada folha
esvoaçante,
azul-manto.
Flores branco-véu.
Beija-flor encheu
bico de Graça.
Abelha açucarou
de tanto doce que tirou.
Disseram que fez
um litro de mel
duma flor só!
Antonte, vi um fruto
nascendo na manjedoura
de uma das flores.
Deve ser bem docinho!
Quando madurecer,
vou comer a carne
e plantar o caroço,
pra ver se nasce
um pé de Jesus!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

RES

Juntei o RES ao significado das coisas,
quando o Pardal suscitou no meu ouvido
o piado da Boa Nova.
Ressignifiquei as coisas.
Ressuscitei,
ressignificando a vida.
Tudo então passou a ter um novo significado.
Até as insignificâncias!
E as inconstâncias.
Letrinhas poderosas, essas três!
Ressignifiquei até vocês,
revertendo o que estava ao avesso.
Reestruturando,
gerando o SER.
Outro dia, disseram-me que o verbo "Ressignificar" não existe.
Não sei.
Eu existo.
SER.
Sou.
Ressuscitado.
Ressignificado.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Extra ordinário

Subi até o olho da mangueira
pra pegar no amarelo da manga rosa,
que estava paquerando comigo.
Lá no lado esquerdo da casa,
onde o coração bate
quando o galo canta,
depois das três da tarde.
Feri o bucho da bicha
com uma dentada,
e fechei a vista num beijo.
Fui ao Céu e voltei,
numa chupada só!
Pardal enciumou.
A boca ficou tão doce
que o beija-flor quis me beijar!
Descobri o extra que há
no ordinário das coisas.
No ventre das coisas!
É o adocicado do que é comum,
aquilo que está além,
guardado no extraordinário
do simples.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Cheiro

Sinhá sentiu no refogado do arroz.
O pai,
no bebê mexendo na barriga da mãe.
A mãe,
na cabeça perfumada do bebê.
O bebê,
na mama da mãe.
O avô,
no café preparado no fogão a lenha.
A avó,
no desbulhado do terço.
A criança,
no algodão doce.
Todo mundo já sentiu o cheiro da Ressurreição.
Eu também senti,
na Alegria que este verso me trouxe.

domingo, 8 de abril de 2012

Nascente

Era tarde da noite
quando o Sol ainda brilhava,
repartindo o Pão entre os seus.
Lá pelas tantas,
foi para o jardim,
junto com o Pardal,
o Bem-te-vi
e o Beija-flor,
e angustiou-se,
começando a se pôr.
Adentrou ao outro dia
numa penumbra
vermelha de sangue,
coroado de espinhos
e de chicotes.
Se pôs às três da tarde,
no topo do monte da Cruz,
e então escureceu,
por completo.
Mundo virou noite,
na nona hora do dia.
E permaneceu assim,
por horas sem fim.
Na madrugada do
terceiro,
o Sol acordou num repente,
vestiu-se de branco,
removeu a pedra
e raiou no Oriente,
para a surpresa dos Ausentes,
rasgando o véu do Poente,
reinando para sempre
no Nascente.

Começos

Deus encheu-me de começos,
lá no começo da infância.
Desde então,
comecei a ver o começo das coisas,
principiando nas lentes do olhar.
Olhei para o Domingo
e vi a Semana começando,
com ramos na mão e gritos de Hosana!
Olhei para a Segunda,
para a Terça
e para a Quarta,
e vi a Entrega se entregando,
lentamente.
Na Quinta,
vi o começo da Missa,
que começou e nunca mais terminou.
Na Sexta,
vi o começo da Cruz,
porta que começou a se abrir.
No Sábado,
vi o começo da Esperança,
que começou a despontar
na Mãe de todas as Vigílias!
E por fim,
no Domingo seguinte
(ah, e que Domingo!),
vi o começo da Vida,
que começou vencendo a morte,
pra nunca mais morrer,
a Vida Eterna e Forte!

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Pão

O Pão bateu asas
e desceu do Céu.
Pousou no ombro
do homem-árvore,
que só anda
e não se cansa.
Fez Graça.
Graças!
Branquinho,
como uma garça.
Menina disse:
"Nunca vi pão com asas!"
Eu vi.
Vejo.
Sempre vejo.
Domingo,
na Comunhão.
É bom
e não engasga.
Passado no Fogo
e na Salvação!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Bicho verde

E de repente apareceu o bicho verde.
Pousou sobre a minha cabeça de criança.
Quase morreu chinelado, pobre coitado!
Fulminado.
Infante ignorância!
Desviou num salto
e restabeleceu-se no seu posto,
pintando o meu cabelo de verde.
Bicho teimoso.
Teimoso sou eu!
Ele é cheio de Graça,
nas suas antenas e nas suas asas!
Bicho teologal,
juntamente com o Bicho-fé e o Bicho-amor.
Insetos dos jardins das virtudes.
Bicho da espera perseverante.
Veio pra aproximar-me do Céu,
pra ensinar-me a ter confiança,
o bicho verde chamado Esperança.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Música

Pensei que a Música
tivesse se perdido em Si,
num grito agudo,
agonizante,
bemol.
Nota solitária,
crucificada no alto do palco,
sob as luzes opacas
do palco,
na hora nona.
Mas ressuscitou,
para a surpresa do
silêncio do mundo,
na madrugada
do terceiro dia,
num acorde:
"Acordem!"
Cantou,
para os discípulos
que dormiam.
Levantaram
e saíram por aí,
cantando a Boa Nova,
espalhando Melodias.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Verdade

A Verdade bateu à minha porta.
Abri e Ela entrou,
com jumento e tudo!
As verdades,
aquelas com "v" minúsculo,
assombraram-se com a visita.
Levantaram-se da mesa
da cozinha,
onde tomavam café fraco,
e saíram pela porta dos fundos,
calçadas com meias encardidas.
Deixaram suas xícaras,
meio secas.
A Vida,
que estava meio morta,
encontrou um pleno
motivo para ser inteira.
Completa.
Íntegra.
Feliz.
Verdadeira.

domingo, 1 de abril de 2012

Jumentinho

E entraram na Cidade da Luz,
a passos cavalgados,
flutuantes,
por sobre mantos e ramos.
Agitação de galhos de cajueiro,
perfumando as ruas
com cheiro de caju doce.
Jumento levitante,
carregando Peso leve
que caminha por sobre as águas.
Lá pelas tantas,
estremeceu de cócegas.
Arrepio de desenho de cruz
nas costas,
pintado com pó de carpintaria.
Marca que não se apaga,
gravada nos pêlos
e no coração.
Ao final de tudo,
desenho tomou forma
e carregou o Homem,
da Morte pra Vida.
Jumento ficou.
Dizem que ainda vive,
por aí,
contando parábolas
e fazendo Poesia.