Tem alguém aí? - Perguntam lá do lado de fora. Claro que tem, penso eu daqui dos fundos, onde me escondo do mundo para hibernar por um tempo. Estou aqui para dormir o sono do descanso, fugindo das obrigações e mesmices do cotidiano. Vim por conta própria. Não fui soterrado pela avalanche de hormônios e sensações que tanto atormentam os corações depressivos.
Não, não há uma enorme pedra fechando o recinto. Nem tão pouco um muro erguido do chão ao teto, com uma pequena entrada de ar e luz no topo. Não! Minha caverna é fechada à porta de madeira. E a chave está no meu bolso, atada a um chaveiro em forma de cruz. Também não estou preso aos grilhões platônicos. Posso mover-me livremente por todos os cômodos. E há Luz! Sim, Luz! Cavernas alegóricas só para os filósofos! A minha é diferente! Lar doce lar, que me abriga nos rigorosos invernos da alma.
Também não estou morto, atado a faixas, como pensam alguns. Estou vivo, pulsante! E o Amigo, desta e de todas as horas, que antes estava no lado de fora, entrou e sentou-se a minha escrivaninha. Juntos, estamos escrevendo alguns textos, tomando como base as emoções pretéritas que retiramos do baú que enfeita a sala. Matéria-prima para criações. Sim, pretéritas, pois as futuras ainda não existem! Não se faz lenha de árvores que ainda não nasceram! E o presente é agora, e por agora estamos tomando um cafezinho. Quem sabe, depois do café, não iremos escrever um texto sobre a prosa deste momento?
Ah, e quando o inverno passar e o Sol derreter a densa camada de neve, sairemos com cestos abarrotados das sementes que surgiram nos fundos da caverna, resultado das longas e frutíferas conversas que tivemos nesta fria e solitária temporada invernosa.