terça-feira, 2 de agosto de 2011

Imagem

Acordei cedo. Ela também. Meus olhos, ainda pesados de sono, prendiam-me a cama. E ela, também presa, com os olhos também pesados, retinha-me. Levantei-me num salto, vencendo os seus braços. Banho, roupas, café da manhã e logo já estava pronto para mais um dia de trabalho, de lutas. E ela também.

Saímos juntos, como sempre. Ambos no carro, calados, ouvindo o mesmo som de todos os dias. Som do som, som do trânsito, som das pessoas na rua. Um breve momento de oração, antes da chegada ao trabalho. Uns seis quarteirões antes, pra ser mais preciso. Um Vinde Espírito Santo, um Pai Nosso, uma Ave Maria e um Santo Anjo do Senhor. Rezamos juntos, mais como um compromisso do que como uma reza de fato. E de direito! Momento mecânico, muitas vezes. Raramente vem do coração. Estacionando, dizemos o "Oh Maria concebida sem pecado". Já fora do carro, vem o "Coração Divino de Jesus, providenciai!". Providenciai! E como enchemos o peito para pronunciar isso! Cheios de razão!

Dia difícil. Eu correndo de um lado para o outro. Ela, também. Esbarramos-nos em alguns momentos, mas nada de interações. Somente ações. Ligações, reclamações, discussões. Estresse. Entardece. Anoitece. Hora de ir embora. Encontramos-nos no carro. Nenhuma palavra. Apenas uma troca singela de olhares e um sorriso amarelo. Seguimos. Passando por uma capela, lembro que aquele era dia de Adoração. E qual não é? Reduzo a velocidade, procuro parar. Não, vamos para casa! - Clama ela quebrando o silêncio que imperava. Estamos cansados, exaustos, não temos tempo pra isso. Sou vencido, não reajo. Apenas obedeço a vontade que se sobrepõe a necessidade.

Chegamos ao lar. Banho, pijamas, jantar. A televisão grita, como se fosse a dona da casa. Cospe sobre nós todas as mazelas deste mundo. Levanto irritado. Desligo o eletro indomesticável com rapidez. Contra a vontade dela. Meu coração está inquieto, agitado. Decidido, resolvo quebrar o gelo entre nós. Ponho-me diante do espelho e inicio uma longa conversa, uma longa reflexão: Ah, Imagem cheia de vontades, cheia de quereres, cheia de si! - Assim comecei minha explanação. E após muitas lágrimas, soluços e véus rasgados, tomamos posse da Graça que há muito estava esquecida: Somos filhos do Alto! Ela, a minha Imagem refletida no espelho, e eu, pobre cristão, somos Imagem e Semelhança dEle, que estava de lado neste texto - e nas nossas vidas - até então. E Ele, ah, Ele! Sem Ele, não seríamos imagem, não seríamos semelhança, não seríamos espelho, não seríamos nada.

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